Avaliação econômica do near miss materno em um hospital de referência de Pernambuco: um estudo de custo

Abstract

Introdução: mulheres que quase morreram, mas sobreviveram a uma complicação materna grave ocorrida durante a gravidez, parto ou puerpério são definidas pela Organização Mundial de Saúde como near miss materno (NMM). Enquanto estudos epidemiológicos sobre o NMM podem indicar a magnitude desse problema e seus riscos, pouco é conhecido a respeito das consequências econômicas desses eventos para a mulher, sua família e para o sistema de saúde. Na avaliação econômica em saúde, estudos do tipo descrição de custos são capazes de sinalizar o impacto financeiro de uma determinada doença em um país, região, comunidade ou mesmo indivíduos. Objetivos: realizar uma revisão sistemática que sintetize os estudos publicados que apresentem a razão de NMM (RNMM) nos municípios brasileiros e descrever os custos relacionados ao internamento dos casos de NMM atendidos em um hospital de referência para gestantes de alto risco no estado de Pernambuco na perspectiva do SUS (Sistema Único de Saúde) e do IMIP (Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira) como instituição pagadora. Métodos: foi realizada uma revisão sistemática de estudos publicados de 2011 a 2021 que apresentassem dados referentes à RNMM nos municípios brasileiros e, relacionou-se essa razão com o Índice de Desenvolvimento Humano do município da população estudada. Em seguida foi conduzida uma avaliação econômica parcial (estudo do tipo cost of illness), aplicando-se a técnica de microcusteio, onde foram descritos os custos da doença na perspectiva do IMIP, com coleta de dados pelos prontuários das mulheres com diagnóstico de NMM no ano de 2019 e na perspectiva do SUS com estimativa por ressarcimento através dos espelhos das AIH (Autorização de Internamento Hospitalar). O estudo seguiu a Resolução 466/12 para pesquisa em seres humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do IMIP. Resultados: a revisão sistemática revelou que a média de RNMM por 1000 nascidos vivos foi de 15,35 e o IDH-M médio foi 0,77. Pelo pequeno número de estudos e a estreita faixa de IDH-M dos municípios incluídos, não foi possível estabelecer associação entre tais variáveis. Na análise de custos, foram incluídas 128 pacientes. Descrevendo o evento NMM por causa, 61,7% apresentaram complicações relacionadas à hipertensão, 15,6% hemorragia e 11,7% infecção. Os custos do tratamento das pacientes atendidas com NMM variaram em função da metodologia utilizada, resultando em custo médio de US$1.427,70 por revisão de prontuários e US$973,00 por ressarcimento do SUS. Os custos estimados por ressarcimento foram significativamente menores que os estimados por revisão de prontuários (p<0.0001). Calculamos uma carga econômica de US$86.055.130,50 para o SUS (considerando os custos nacionais) para o ano de 2019. Na perspectiva do SUS, os maiores gastos deveram-se às pacientes com complicações secundárias às emergências hipertensivas (US$74.699,46). Conclusões: a ocorrência de NMM nos municípios brasileiros sinaliza um marcador de iniquidade em saúde, levantando a discussão sobre um possível reflexo das disparidades sociais a que essas mulheres estão expostas. Além disso, a avaliação econômica realizada reforça a necessidade de incluir os aspectos econômicos do NMM na avaliação de intervenções efetivas para redução dessa condição que é, em sua grande maioria, assim como os óbitos maternos, considerada evitável.

Background: women who almost died but survived a complication during pregnancy, childbirth or within 42 days of termination of pregnancy are defined by the World Health Organization as “maternal near miss” (MNM). While epidemiological studies on MNM may indicate the magnitude of this problem and its risks, little is known about he economic consequences of these events for the women, her family and for the health system. In the health economic evaluation, cost-of-illness studies are able to signal the impact of a particular disease on a country, region, community or even individuals. Objectives: the aim of this study was realize a systematic review that synthesizes published studies that present the ratio of MNM (RMNM) in Brazilian cities and describe the costs related to hospitalization of MNM cases in a reference hospital for high-risk pregnant women in the state of Pernambuco, Brazil in the perspective of SUS and IMIP (Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira) as a paying institution. Methods: a systematic review of published studies in the last ten years that presented data regarding the RMNN in Brazilian cities. This reason was then related do the Human Development Index (HDI) of the studied population. Afterwards, a partial economic evaluation (cost-of-illness study) was done, applying microcosting, where the costs of disease were described in the IMIP perspective with data collection by the medical records of women with diagnosis of MNM in the year of 2019 and in the SUS perspective through the AIH (Hospital Admission Authorization). The study followed the Resolution 466/12 for human research and was approved by the Research Ethics Committee of IMIP. Results: the systematic review revealed that the average RMNM per 1000 live births was 15,35 and the average HDI was 0,77. Due to the small number of studies and the narrow HDI-M range of the municipalities included, it was not possible to establish an association between such variables. In the cost analysis, 128 patients were included. Describing the MNM event by cause, 61,7% had complications related to hypertension, 15,6% hemorrhage and 11,7% infection. The costs of treatment of patients treated with MNM varied depending on the methodology used, resulting in an average cost of US$ 1.142,70 per review of medical records and US$ 973,00 per SUS compensation. Estimated costs for reimbursement were significantly lower than those estimated for revised medical records (p<0.0001). We calculated an economic burden of US$ 86.055.130,50 for the SUS for the year 2019. From the SUS’s perspective, the highest expenses were due patient with complications secondary to hypertensive emergencies (US$ 74.699,46) Conclusions: The occurrence of MNM in Brazilian municipalities signals a marker of health inequity, raising the discussion about a possible reflection of the social disparities to which these women are exposed. The costs related to MNM reinforce the need to include the economic aspects in the evaluation of effective interventions to reduce this condition, which is in the vast majority, as well as maternal deaths, considered preventable.